Dois anos sem Glee: a série que pôs a juventude em foco e seu impacto cultural
- por Júlio Cesar
- 20 de mar. de 2017
- 3 min de leitura

Há exatamente dois anos, a TV americana se despedia de Glee. Para muitos críticos, a atração chegou ao fim em sua devida hora, e mesmo com todos os tropeços, havia conseguido cumprir aquela que fora sua principal proposta desde o início: juntar humor ácido e música com o propósito de apresentar a verdade nua e crua da adolescência de muitos jovens, que rapidamente se identificariam com Rachel, Kurt, Quinn, Finn e todos os outros personagens da trama criada por Ryan Murphy, Ian Brennan e Brad Falchuk. Para outros, a série da FOX, em seus seis anos de exibição, não havia sido muito mais que um amontoado de bobagens, tendo servido apenas para vender músicas e causar frisson ao falar sobre assuntos polêmicos, como violência, bullying e gravidez precoce, pautas que em 2009, época de lançamento da série, não interessavam para grande parte da sociedade, mas que graças a Glee, puderam ser discutidas abertamente.

Contrariando todas as expectativas de sua emissora, que não acreditava que um programa composto por um elenco em sua grande maioria inexperiente em trabalhos na TV pudesse dar certo, Glee emergiu com uma força tão intensa quanto o sucesso das canções tocadas em seu piloto, que atingiram o topo do Itunes imediatamente após a estreia. E mesmo com um hiato de três meses até o 2° episódio ir ao ar, o show já dava indicações de que havia despertado a curiosidade do público. E essa curiosidade levou a um fenômeno estimado em uma audiência de cerca de 10 milhões de pessoas assistindo a cada episódio já na 1° temporada, várias indicações a prêmios como Emmy e Golden Globes, e mais de 43 milhões de músicas vendidas. Mas afinal, como se explica tamanho sucesso?

O correto seria atribuirmos a aclamação recebida pela série ao fato de seus idealizadores terem conseguido combinar duas coisas que todo adolescente “comum” adora: música e histórias clichês.
Mas isso não é exatamente verdade, porque Glee não foi feito para adolescentes “comuns”. Logo no primeiro episódio, nos deparamos com uma protagonista impopular irritante, um professor sonhador ao extremo, uma menina gaga tímida, um rapaz com trejeitos notáveis, um jogador de futebol popular com uma namorada arrogante e outros estereótipos capazes de afugentar qualquer telespectador, se não fosse pelo fato de que esses personagens eram o exato retrato da juventude conflituosa atual, que busca referências em tudo e todos. Ao expor estes perfis, Glee não se apresentava como uma série que os adolescentes procurariam ver, mas era com certeza o tipo que muitos precisavam assistir. E a comprovação desse fato se dá nos inúmeros jovens que se sentiram representados com os dramas de Rachel, que abraçaram a coragem de Kurt, foram tocados pelos conselhos de Mr. Schuester, e deram boas risadas com o humor negro de Sue. Estes personagens conseguiram transmitir uma verdade que ultrapassou o problema do clichê. Uma líder de torcida malvada e venenosa era algo totalmente comum, mas uma líder de torcida malvada e venenosa que está em conflito em relação aos seus sentimentos por sua melhor amiga como Santana não é. Ao se aprofundar no cotidiano do adolescente, Glee deu voz, deu vez, e sobretudo aceitação para uma juventude que não tinha liberdade de falar, expor sentimentos e criar a coragem necessária para encarar seus problemas.

Com uma trilha sonora viva que ia desde as baladas românticas e teatrais da década de 80 às melodias pop com batidas contagiantes que estavam no auge, Glee conseguiu uma forte aliada em seu plano de entretenimento. As músicas tocadas na série não só eram um combustível fundamental para o enredo, que era centrado em um clube de coral, como também serviam de reforço para as lições e críticas que a série pretendia fazer. As canções executadas em cada episódio, escolhidas a dedo pelos criadores do show, adequavam-se precisamente com a situação problemática exposta para tal, além de unir o útil ao agradável, considerando que o elenco era incrivelmente talentoso, e o resultado dessa parceria se deu com as músicas cantadas em Glee ocupando o topo de todas as paradas musicais da época, de semana em semana.

Glee abriu portas para que outros veículos comunicativos pudessem explorar e se dedicar ao mundo jovem da maneira como ele precisa ser visto hoje. Machismo, homofobia, transfobia e outras temáticas importantes que nos foram apresentadas puderam ser verdadeiramente debatidas, e é por isso que a série será lembrada para sempre. Por ser tão simples e entretanto tão absurdamente ousada, por ser tão clichê e ao mesmo tempo ter o poder de levar cada espectador a uma experiência própria e profunda, e por mesmo possuindo um roteiro que a princípio soe ingênuo, pôde ser capaz de transformar a vida de várias pessoas.

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